Balanço aponta março como o mês da tragédia na pandemia: 66.868 mortes
Em março, 66.868 pessoas perderam a vida para a Covid-19 no Brasil, segundo dados das secretarias estaduais de Saúde apurados pelo consórcio de veículos de imprensa. Em 18 das 27 unidades federativas do país, morreram mais pessoas neste mês do que em qualquer outro desde o início da pandemia.
Os primeiros a passar dessa marca foram os estados do Sul, onde o colapso na Saúde chegou mais cedo e onde mais pessoas morreram em três meses de 2021 do que em todo o ano passado.
Os recordes mensais foram batidos em seguida em Rondônia (16/03); Goiás (18/03); Bahia (19/03), Tocantins e São Paulo (22/03), Mato Grosso e Minas Gerais (23/03), Mato Grosso do Sul e Paraíba (24/03), Acre (25/03), Rio Grande do Norte (27/03), Piauí (28/03) e Distrito Federal (30/03). Os últimos a ultrapassar a marca foram Espírito Santo e Roraima, ambos no último dia de março.
No mês passado, o número de pessoas que morreram da doença foi maior do que o dobro do total visto em julho de 2020 – que era, até março, o mês com maior número de mortes na pandemia.
Março é o quarto mês consecutivo em que as mortes de um mês superam as do mês anterior; o mês passado teve 21% de todas as mortes registradas no Brasil até agora.
O dado referente às mortes de março foi calculado subtraindo-se as mortes totais até fevereiro (255.018) do total até 31 de março (321.886). Os números dos meses anteriores foram determinados com a mesma metodologia.
Entre as mais de 15 mil pessoas que morreram em São Paulo em março, duas eram pai e filha: Gisele Zamaio, de 32 anos, morreu no dia 27; o pai dela, Oliveiro Zamaio, de 55 anos, faleceu no dia seguinte, em Marília, a cerca de 450km da capital paulista.
Outros dois eram irmãos: Telma Lissandra Barbosa morreu em Jundiaí no mesmo dia que Elton Marques, irmão dela, em Louveira, a 15 km de distância. Os dois defendiam a vacinação nas redes sociais.
As famílias de Gisele, OIiveiro, Telma e Elton tampouco foram as únicas destroçadas pela Covid: em Santa Isabel, a cerca de 140 km de Santos, outra pessoa perdeu a mãe para a doença – e o pai, e os avós. A professora Adriana Miyuki Kawaguti Saviani, de 40 anos, viu todos morrerem em apenas nove dias.
Com a disseminação mais intensa do vírus, histórias de pessoas que perderam vários membros da família se tornam mais comuns. Em Birigui (SP), Rodolfo de Carvalho perdeu a avó, o tio e a tia para a Covid. Em Duque de Caxias (RJ), Thamires Netto perdeu a avó, uma tia, um tio, a mãe e a irmã para a doença.
Em Araçatuba (SP), pai, mãe, e filha foram vítimas da doença: Roberto Zancheta, de 70 anos, a esposa dele, Aurea Viana Zancheta, de 68, e a filha deles, Karine Zancheta, de 45 anos, morreram em um espaço de apenas 5 dias.
Em Parisi (SP), Valentina Peres Machado, de 66 anos, e duas filhas perderam a vida para a doença: Ana Paula Faria, de 37 anos, e Karina Angélica Faria, de 33 anos, também não resistiram à Covid. Ana Paula era mãe de trigêmeos.
Outras mãe e filha morreram de Covid com intervalo de poucas horas em Bragança Paulista (SP). A família de Marilene Silva Teixeira, de 62 anos, e de Vivian Teixeira Bueno, de 38, passou 12 horas com Marilene precisando de oxigênio em busca de um leito. Vivian morreu enquanto a mãe era enterrada.
Fim de vida sofrido
No Rio de Janeiro, Ricardo Nascimento de Oliveira, de 45 anos, morreu sem ar na fila por um leito de UTI. Pouco antes de falecer, ele enviou mensagens à mulher, Greice Oliveira, e disse: “não tenho oxigênio”. O Rio já perdeu mais de 36 mil pessoas desde o início da pandemia; 3,6 mil delas, cerca de 10%, morreram em março.
Pará, Piauí, São Paulo, Minas, Paraná e Santa Catarina também já relataram mortes por falta de leitos de UTI. Em Teresina, a família de Francisco Xavier de Sousa, de 92 anos, chegou a comprar cilindros de oxigênio e a contratar médicos particulares, mas ele não resistiu. Ele foi uma das mais de 4 mil pessoas que morreram no estado neste mês, o número mais alto desde o início da pandemia.
Histórias como a de Francisco se repetiram ao redor do país desde o início do mês. Em Nova União (RO), João Tomaz, de 71 anos, morreu no dia 2 enquanto aguardava uma vaga na UTI. Segundo a família, ele havia conseguido um leito em um hospital de Vitória (ES), mas morreu antes de ser feita a transferência.
A mulher de João Tomaz, Maria de Souza, de 69 anos, faleceu de Covid no dia seguinte. O casal estava junto há 52 anos. Mais de 1,2 mil pessoas morreram de Covid em Rondônia só em março, cerca de 31% das mais de 4 mil vítimas da pandemia no estado.
Do outro lado do país, no Paraná, João Roczkowski, de 69 anos, morreu no mesmo dia em que Maria de Souza. Ele também estava à espera de um leito de UTI, internado hospital de campanha da Lapa, na Região Metropolitana de Curitiba. Desde o início da pandemia, 16,6 mil pessoas morreram de Covid-19 no Paraná. Mais de 5 mil delas, cerca de 30%, morreram em março.
No estado vizinho, Santa Catarina, a técnica de enfermagem Eliandre Boscato, de 43 anos, também morreu à espera de um leito de UTI. Mesmo com uma transferência, ela recebeu atendimento intensivo de maneira improvisada e não resistiu à Covid.
Eliandre foi uma das mais de 3,5 mil pessoas que morreram em Santa Catarina em março. A região Oeste, onde ela faleceu, é uma das mais atingidas pelo colapso do sistema de Saúde.
Em São Paulo, Fred Fernandes relata como é perder pacientes por falta de recursos que, se existissem, poderiam salvar a vida de alguns deles, ao menos.
Ele explica que o alívio do sofrimento também faz parte do tratamento – mesmo naqueles que não vão sobreviver à Covid. Ver morrer os que, entretanto, teriam uma chance contra a doença se os recursos fossem suficientes é “talvez o pior momento de alguém que esteja cuidando desses pacientes”, diz.
O médico, que se descreve como uma pessoa “calmíssima”, diz que já teve crises de ansiedade por pensar na falta de insumos, inclusive de oxigênio, que tem sido relatada por equipes de saúde ao redor do país.
Aumento entre jovens
Várias equipes de Saúde e secretarias estaduais vêm apontando, além da falta de insumos, o aumento de casos de Covid entre jovens.
Na Bahia, o número de mortes de pessoas de 20 e 39 anos subiu 447% desde novembro. No Distrito Federal, em meados do mês, o número de jovens hospitalizados com Covid era o maior desde o início da pandemia. Entre julho e fevereiro, as internações de pessoas de 31 a 40 anos por Covid no Paraná aumentaram 140%.
Para Paulo Lotufo, médico e epidemiologista da USP, falar em “grupos de risco” em uma pandemia é errado – e tratar do assunto como se jovens não fossem ter formas graves de Covid ou morrer também contribuiu para que eles se sentissem imunes à doença.
“A questão é que o impacto em quem não tem doença é menor do que em quem tem doença. A pneumonia que [a Covid] vai dar numa criança é igual à que vai dar num adulto”, explica Lotufo. “Agora, se o adulto já tem o coração que tem aterosclerose, o rim já não está tão bom, obviamente que a resposta da pneumonia vai ser pior”, diz o médico.
“Como o número de jovens é maior que o de idosos, você passou a ter mais casos e, depois, mais mortalidade. Até porque, depois de um tempo, os idosos estavam muito mais seguros do que os jovens”, avalia Lotufo.
‘Vão ficar chorando até quando?’
O presidente Jair Bolsonaro se manifestou sobre as mortes que o Brasil vem registrando ao longo dos últimos meses. Logo no dia 1º de março, um dia depois de o país registrar o último recorde de mortes diárias de fevereiro, o presidente disse a apoiadores que “criaram pânico” sobre a pandemia:
“Criaram pânico, né? O problema está aí, lamentamos. Mas você não pode entrar em pânico. Que nem a política, de novo, do ‘fique em casa’. O pessoal vai morrer de fome, de depressão?”, questionou.
Três dias depois, contra as medidas de isolamento e distanciamento que foram defendidas por cientistas ao longo do mês, ele declarou:
“Vocês não ficaram em casa. Não se acovardaram. Temos que enfrentar os nossos problemas. Chega de frescura, de mimimi. Vão ficar chorando até quando?”, disse o presidente.
Bolsonaro também chamou de “idiotas” aqueles que pediam mais vacinas para o Brasil:
“Tem idiota que a gente vê nas redes sociais, na imprensa, [dizendo] ‘vai comprar vacina’. Só se for na casa da tua mãe. Não tem [vacina] para vender no mundo”, afirmou. Em janeiro, a farmacêutica americana Pfizer disse ter oferecido ao Brasil 70 milhões de doses de vacinas para entrega ainda em dezembro, o que permitiria vacinar 35 milhões de pessoas. A oferta foi recusada.
No dia 22, quando o Brasil registava 25% das mortes por Covid no mundo nos 7 dias anteriores, o presidente afirmou que “sempre disse que temos que nos preocupar com vidas, sim, mas também com emprego”.
“Uma pessoa desempregada, ela acaba tendo problemas que podem levar a óbito, depressão e suicídio. Vamos buscar uma maneira de melhor atender à população? Vamos. Parece que, no mundo todo, só no Brasil está morrendo gente. Lamento o número de mortes, qualquer morte”, declarou Bolsonaro.
G1